segunda-feira, 8 de abril de 2013

LIVRO O ESTRANHO (Conto: Depois da Queda)



(... ) Nos hospitais, os corpos têm de estar à disposição. Você deixa de ser uma pessoa - passa a ser uma patologia. Os doentes são, muitas vezes, apenas corpos. Não são cérebros, nem almas, nem têm muita vontade. Como o poder é reduzido nos hospitais! Este talvez seja o lado bom do exercício de sofrer: enxergar a ilusão do poder, essa peste sorrateira que ataca os mais supostamente humildes, e os de arrogância caricata.

          A qualquer hora seu quarto pode ser invadido pelos amigos de branco, que manipulam seu corpo de um lado para o outro com rapidez e destreza.  E, se quiser se recuperar sem grandes constrangimentos, esqueça os pudores, porque a intimidade é compulsória e necessária à cura. Ao menos a intimidade que estabelecem com sua carne exposta. A outra, a intimidade invisível, a que revoluciona seu peito quando a luz se apaga, esta exercitei com Deus.

          E quando a luz se apaga nos hospitais, o sossego é provisório. De madrugada acendem o interruptor, enfiam um comprimido na sua boca,  dizem algumas palavras animadoras e pronto, você lembra que está vivo. O doente tem de estar disponível, como uma puta. Todo doente é uma puta. Alguns ganham a saúde como remuneração, pela entrega do corpo. Outros, o calote da morte.  Tive sorte! (...).



O Estranho, de Carmen Moreno 
(Contos - FiveStar)