(... ) Nos hospitais, os corpos têm de estar
à disposição. Você deixa de ser uma pessoa - passa a ser uma patologia. Os
doentes são, muitas vezes, apenas corpos. Não são cérebros, nem almas, nem têm
muita vontade. Como o poder é reduzido nos hospitais! Este talvez seja o lado
bom do exercício de sofrer: enxergar a ilusão do poder, essa peste sorrateira
que ataca os mais supostamente humildes, e os de arrogância caricata.
A qualquer hora seu quarto pode ser invadido pelos amigos de branco, que
manipulam seu corpo de um lado para o outro com rapidez e destreza. E, se quiser se recuperar sem grandes
constrangimentos, esqueça os pudores, porque a intimidade é compulsória e
necessária à cura. Ao menos a intimidade que estabelecem com sua carne exposta.
A outra, a intimidade invisível, a que revoluciona seu peito quando a luz se
apaga, esta exercitei com Deus.
E quando a luz se apaga nos hospitais, o sossego é provisório. De
madrugada acendem o interruptor, enfiam um comprimido na sua boca, dizem algumas palavras animadoras e pronto,
você lembra que está vivo. O doente tem de estar disponível, como uma puta.
Todo doente é uma puta. Alguns ganham a saúde como remuneração, pela entrega do
corpo. Outros, o calote da morte. Tive
sorte! (...).
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