Cenas das palestras
da poeta e escritora Carmen Moreno,
e da tradutora e poeta Helena Ferreira,
ontem, (28/10/2014), no
XVI FESTIVAL CARIOCA DE POESIA,
coordenado pelo grupo Poesia Simplesmente,
no teatro Glaucio Gill.
“OLHAR-SE: O SER E O SALTO
– CRESCIMENTO E LIBERTAÇÃO”.
(Leia, abaixo, o texto de Carmen Moreno)
Carmen Moreno - Foto: Marcelo Ribeiro
Carmen Moreno - Foto: Marcelo Ribeiro
Carmen Moreno - Foto: Marcelo Ribeiro
Carmen Moreno - Foto: Marcelo Ribeiro
Carmen Moreno
Carmen Moreno e Helena Ferreira
Carmen Moreno e Helena Ferreira
Plateia - Teatro Glaucio Gill
Grupo Poesia Simplesmente
Delayne Brasil, Angela Carrocino, Laura Esteves e Sílvio Ribeiro de Castro
(Poesia, prosa, teatro, dança e cinema)
TEXTO DA PALESTRA:
Carmen Moreno
OLHAR-SE:
O SER E O SALTO
– CRESCIMENTO E LIBERTAÇÃO
“Conhece-te a ti mesmo” foi
o legado que Sócrates nos deixou, ao
qual não fizemos jus, mesmo após tantos séculos. A meu ver, por medo do
desconhecido, pela grande disciplina necessária, e por ignorarmos o quanto
seríamos mais felizes se puséssemos este preceito em prática.
Pretendemos melhorar o
planeta, erradicar as guerras, a
corrupção na política, suavizar as injustiças e diferenças sociais, eliminar os
preconceitos, mas no plano global: através de leis, decretos, acordos ou
tratados. No entanto, se não houver uma mudança corajosa no âmbito individual, quando
cada um de nós se disponha a transformar seu mundo interior, suas atitudes,
seus defeitos de caráter, quando cada um de nós se entregue à tarefa difícil,
mas prazerosa, de localizar suas pequenas guerras particulares (muitas vezes
concebidas como inofensivas) na família, no trabalho, nas ruas, suas palavras
bélicas, suas mesquinharias afetivas e materiais, sua raiva não digerida, sua violência
velada ou deflagrada, seu egoísmo difuso ou objetivo, sua competitividade
desenfreada, sua arrogância, seu ego inflado ofuscando a vizinhança, seus “podres
poderes”, como disse Caetano. Se não houver esta boa-vontade na esfera pessoal,
nada será orgânica e definitivamente transformado no coletivo. Continuaremos
culpando o outro pelas mazelas do Universo.
A psicologia nos ensina que
temos um eu idealizado e um eu real. O idealizado nos conduz a enxergar o que
mais combina com o bem-estar da nossa autoimagem. Com aquilo que introjetamos
como aceito, certo, bom e belo. Afinal, precisamos ser amados! Meu Deus, o que
não fazemos para enfiar nosso eu verdadeiro nesse pacote de exigências, na
clausura da perfeição. Quantas mentiras nos contamos! Quantas ouvimos e
repetimos, sem reflexão. Quase não há busca da essência. Acreditamos nas historinhas e seguimos,
felizes/infelizes, encaixadinhos nas forminhas de valores, ideais e conceitos
alheios. Onde o salto? Quando a libertação? Quem somos? E novamente o filósofo
nos responde: “Só sei que nada sei”.
Não há como fugir da dor de
se ver para crescer. Sem passar por ela,
apenas estagnação. A dor de se ver, sem culpa ou chicote no olhar, é prazer e
salto. Ver e mover-se. Modificar-se. Pois que evitar a si mesmo também é dor. E
dor maior, porquanto o empenho de
lutar para não ser o que se é, de esconder-se de si e da multidão, é sofrer o
atrofiamento da alma. O imenso cansaço da produção de uma energia extra para a
fuga inútil do espelho. Contudo, não se revelar também se faz necessário à
sobrevivência, pois o inimigo existe além da ficção. No entanto, quando nos compreendemos
de verdade, podemos escolher o que mostrar, quando e a quem.
A literatura e as artes em
geral constroem uma ponte para o livre fluir desses “eus”. A imaginação é a
louca da casa, como diz a escritora Rosa Montero. O olhar, o movimento inicial
da obra artística. Privilegio a poesia como exemplo, já que somos duas poetas
aqui neste palco, e temos tantos outros na plateia: o olhar que lançamos sobre
nós, o outro, o Universo é a gestação do poema, parido depois, em forma. O
olhar enviesado do poeta, que tantas vezes destoa, desalinha, desafina, na sinfonia
nem sempre original e criativa do mundo. E mesmo depois do jorro do parto o
poema não se finda. Precisa ser buscado na essência (conhecer-se), aparar-se,
despir-se de falsidades, ingenuidades desnecessárias, precisa estar nu e forte
para a vida. E ainda assim não estará pronto, pois o poeta o entregará ao
mundo, a outros olhos que o multiplicarão em novas compreensões e lapidagens. Pronto
estaria morto. E a morte não existe.
Enquanto busca a substância do
poema, enquanto se lança sobre esta alma brotando do escuro, apalpando-a com a
paixão do desapego, orando à palavra original para que encontre e traduza este
ser, o poeta, na realidade, se procura, sem querer. A cada palavra descartada,
substituída por outra mais fiel à emoção, ao pensamento, ao conceito da obra, o
escritor despe-se dos medos de encontrar-se. Ao menos naquele raro instante da criação.
O movimento lúdico da busca, descascada em símbolos, liberta o artista.
Liberta-o da prisão cotidiana de olhar-se furtiva e passageiramente,
conduzindo-o a um mergulho íntimo tanto mais profundo quanto mais se dedicar a conhecer
a identidade de sua escritura.
Temos aí uma via de mão
dupla, pois que, quanto mais o artista explora as metáforas do seu
inconsciente, disponibilizando para si mesmo a abertura de um portal mais amplo
à passagem dos seus fantasmas e sonhos, das suas imagens pessoais, mais os seus
símbolos artísticos tornam-se generosos e singulares no momento da sua produção.
Mais ele se torna senhor das sutilezas dos seus sentimentos, das suas palavras,
ou quaisquer ferramentas artísticas do seu trabalho.
Nota da autora: A palestra foi concluída com um poema. O mesmo não será postado por estar inserido em livro inédito.
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