sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

CRÍTICA

RESENHA:
 LOJA DE AMORES USADOS, poesia (Multifoco), de Carmen Moreno


Por: HARON GAMAL - Crítico literário, professor e doutor em literatura brasileira pela UFRJ

(Texto publicado na Revista
Folha Carioca - dezembro de 2010)


Contato: hjgamal@ig.com.br


“O fim abraça tudo”,
menos a poesia

A primeira parte do livro Loja de amores usados, de Carmen Moreno, chama-se "Morte Versus Vida", eis um trecho do primeiro poema, Movimento: "O fim abraça tudo / que mal se inicia. / Qual feto morto, / na barriga do dia." Versos prenunciando a vitória da morte, que, inclusive, aparece em primeiro lugar no próprio título.

Poderíamos pensar que para essa devastação impossível de ser contida nada restaria. Mas, mergulhando livro adentro, envolvendo-se no ardor da hora poética, logo se percebe que essa morte, que a tudo e a todos devora, não consegue levar consigo a poesia. Permanece esta como marco de uma vitória, como a vida dos deuses olímpicos, que se não eram tão eternos assim, ao menos o são enquanto duram. E duram até hoje.

Num idioma que, entre tantos poetas difíceis de serem hierarquizados, há um Camões e um Pessoa, a própria opção de escrever poemas torna-se uma temeridade. Mas Carmen Moreno arrisca-se, não teme o desafio, parecendo talhada para tal ofício. A epígrafe inicial, colhida na obra de João Cabral, aponta o propósito: "gosto de chegar-se ao fim, de atingir a própria cinza."

Em tudo que escreve, ela não deixa ideias nem modos de dizer na superficialidade:

"Ninguém parte: aparta-se de nós / apenas o palpável. / Perde-se a casca densa do amado ser. / Seus sonhos, mirados do Alto, / a terra não morde."

"Arriscar é ser mais que o medo."

"Busco o poema como quem se esparrama, / tateando a cama vazia. / Quero, no colo da palavra, / a cor que falta no dia."

Na segunda parte, "Ecos da Casa", os poemas percorrem o universo da memória:

"A família se esvai, / por entre os dedos dos anos. / Encardida fotografia. Grande útero decomposto."

Trata-se, na verdade, de uma memória drummondiana, lembranças que não apenas transmitem saudade, amargor de uma vida sempre vulnerável a perdas, a separações, ao silêncio, mas essa memória também revela o peso da ancestralidade, que permanece em cada um e que é impossível ser descartada.

"A família tomba sobre nós com seus guardados. / Quem seríamos, sem tantas vozes compondo nossos passos?"
Versos que nos lançam à presença perene daqueles que nos antecederam, presenças em pequenos gestos, olhares, palavras perdidas, impossível se livrar do passado, impossível a autossuficiência:

"Meu pai morava no desamparo. / Sorte, que a casa amparava sorrisos nas frestas da cal, / nas tréguas do caos. / E havia alegrias resistentes nos cantos dos quartos, / nas rosas das janelas... / E havia o movimento dos irmãos, / e as mãos da mulher partindo pedaços de pão, / para não perdermos o caminho."

Mais adiante:  "Tenho minha mãe entre as pernas, / Há anos tento pari-la, pari-la de mim, / mas minha mãe não se desgarra."

E, ainda uma vez, a própria poesia surge (metaforicamente, é claro) como um meio de salvação, uma barreira capaz de nos proteger das mazelas do dia-a-dia:

"Vem, poema, me salva do sorriso de minha mãe, / da loucura da minha irmã."

Momento em que alegria e loucura se unem, porque, tanto no universo familiar quanto no percurso da memória, a palavra surge como meio de organização do mundo, não a palavra comum, mas a da poesia, a palavra surpreendente, a palavra até mesmo impossível.

Na terceira parte, "De Cama e Cortes", o livro enfoca o papel do amor, também como antídoto à solidão, ao caos provocado pela inexplicabilidade da vida. A sedução se faz presente como tentativa de driblar a morte:

"Os amantes se penetram. / Injetam-se um no outro no outro, e perdem o rosto."

"De que recanto do amor o pássaro da morte / levou no bico o teu beijo."

A temática da morte, como nos grandes poetas de nossa língua, quase sempre se faz presente no texto de Carmen, ora apontando a dualidade amor versus morte, ora vida versus morte, que na verdade tem como origem o próprio amor.

Apesar da divisão do livro em partes, torna-se impossível ocultar temas recorrentes. Memória, amor e morte sempre reaparecem para configurar uma tessitura poética coesa.

"Acariciar sonhos, / enchendo gavetas de guardados. / Amarelados papéis, roídos por baratas e tempo."

A última parte, "Sobre Saias e Sobre (saltos)” enfoca especificamente a condição feminina, apresentando questões do tempo, que apontam o papel da mulher na contemporaneidade:

"A mulher que mora em mim tem tantos mundos, / que todos os homens sou eu." Aqui a mulher tornando-se uma entre todos os gêneros.

"O amor roçou no tempo até esgarçar-se de vez, por excessos. / Quando caminho as coxas roçam uma na outra, por excessos. / Cortar gorduras é exercício estóico (às vezes esmoreço e espreguiço). / Mas tenho apreço pela assepsia da alma: limpo desde menina o lixo entranhado na história."

Ou ainda: "escondo a barriga sem lipo, / mas a alma - renovada - mostra a cara." Neste trecho, apresentam-se as exigências da modernidade em oposição ao desejo do eu poético pela autenticidade.

E há também a crítica ao universo masculino, este equilibrado no fio tênue entre o desejo do macho e sua fragilidade, a inobservância do masculino pelo próprio reflexo, difícil de ser admitido:

“viril de crachá / ele é macho de etiqueta / lançar-se no pódio / é sua muleta / Para qualquer suspeito / ele arma sua mira / persegue o gay / que o espelho lhe atira!”

Carmen Moreno é autora de vários livros, tanto de ficção como de poesia. Este Loja de amores usados vem apenas confirmar um talento que há muito se destaca, e revelar uma poeta que sabe trabalhar tanto com os temas universalmente abordado pela poesia, como com aqueles que fazem parte do tempo presente.


Loja de amores usados
Carmen Moreno
Editora Multifoco, 119 páginas
Em breve, esta resenha será publicada no jornal Folha Carioca.

Haron Gamal
Encomendas:

Loja de amores usados

21 22223034

Endereço de email:


R$ 30,00


domingo, 5 de dezembro de 2010

POEMASBR - CARMEN MORENO E DELAYNE BRASIL



Apresentação de Carmen Moreno e Delayne Brasil no CABARÉ DA POESIA (09/11/10), evento organizado por Cairo e Denizis Trindade. Vídeo: Daniel Trindade (POEMASBR). Poema RECADO, de Carmen, musicado por Delayne.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

domingo, 28 de novembro de 2010

XII Festival Carioca de Poesia - Coordenação: Grupo Poesia Simplesmente

Carmen Moreno no XII Festival Carioca de Poesia
 Estação das Letras:

Clique na imagem abaixo, para ampliá-la:
PALESTRA "Em alguma parte alguma, um livro síntese de Ferreira Gullar", por Marcus Vinícius Quiroga

 SARAU: Poetas que participaram - Adele Weber, Astrid Cabral (representada por Helena Ferreira, que também recitou seus poemas); Carmen Moreno, Lila Maia, Mércia Menezes, Rosane Carneiro, e a anfitriã Suzana Vargas

POEMA MUSICADO: "Traduzir-se", de Fagner/ Ferreira Gullar, por Delayne Brasil

ALGUMAS IMAGENS DA TARDE POÉTICA

Carmen Moreno recita poemas do livro Loja de Amores Usados, Multifoco

Delayne Brasil, Marcus Vinícius Quiroga, Laura Esteves e Suzana Vargas, na abertura

Palestra de Marcus Vinícius Quiroga

"Traduzir-se", por Delayne Brasil

Leitura de Suzana Vargas

Leitura de Helena Parente Cunha


Helena Ferreira interpreta poemas seus e representa Astrid Cabral

Suzana Vargas, Helena Parente Cunha, Carmen Moreno e Delayne Brasil, no interior da Estação das Letras












segunda-feira, 15 de novembro de 2010

SOBRE O PRÊMIO JABUTI (A CARTA ABERTA DE SERGIO MACHADO) E OUTROS EXEMPLOS...

REFLEXÕES SOBRE O PRÊMIO JABUTI,
A PARTIR DA CARTA DO GRUPO RECORD


Prezados Leitores,

Aproveito o texto ao final desta mensagem (Carta aberta do Grupo Editorial Record sobre o Prêmio Jabuti), para convidá-los a uma importante reflexão.

Infelizmente, a obscuridade das ações neste País resvalou na literatura, maculando-a, afastando dos concursos literários e, portanto, de uma maior visibilidade, obras de qualidade, e escritores que merecem um espaço mais significativo de atuação no mercado editorial. Esta lamentável situação obstrui a já complicada trajetória de incentivo à leitura e à criação literária no Brasil.

Desde 2007, não inscrevo nenhuma obra em concursos literários, certamente desmotivada pela experiência traumática que o prêmio FUNARTE do referido ano me proporcionou. A mim e a tantos escritores, ainda crédulos nessas instituições artísticas. Sou poeta e ficcionista, premiada em diversos gêneros literários, nos âmbitos nacional e internacional. Portanto, não se trata de um depoimento puramente ressentido, mas depois do “caso Funarte”, fiquei bastante desestimulada para os investimentos materiais, de tempo e de energia, exigidos por concursos desse porte: No último dia de inscrição, 10/12/07, cheguei à FUNARTE com um projeto exaustivamente trabalhado, sete exemplares de livros, cinco DVD`s (síntese da minha carreira), ao todo 500 pp. encadernadas, atendendo completamente ao inumano edital.

A funcionária me comunicou que meu projeto, e todos os outros sobre sua mesa e espalhados pelo chão, só seriam encaminhados aos jurados no dia seguinte (11/12/07), e que o resultado seria publicado no Diário Oficial em 12/12/07. Meu trabalho, elaborado com esmero, assim como tantos outros, teria chegado (?) às mãos dos jurados no mesmo dia em que o resultado foi encaminhado à publicação em D.O. Os jurados foram contratados, com dinheiro público, para lerem e analisarem TODOS os projetos por COMPLETO. Nenhuma obra em processo de análise deve ser descartada antes que o estudo seja concluído. Mesmo que esta seja a prática, não deixa por isto de ser desrespeitosa. De que forma 500 projetos, inscritos no referido concurso, foram analisados por cinco jurados em três dias?

Este fato, que chegou aos jornais e à internet na época, provocando grande polêmica, hoje, três anos depois, infelizmente, soma-se a outros, neste Brasil onde os “nomes” vendem livros antes que os mesmos sejam gerados. Os “nomes” garantem espaços na mídia, em prateleiras de destaque nas livrarias, em contratos rápidos e receptivos com editoras, e em indicações para grandes prêmios, independentemente da qualidade de suas criações literárias.

Contudo, os “nomes”, incensados pela imprensa e absorvidos às pressas pelo leitor incauto, ou preguiçoso (o que não quer pesquisar outras riquezas), muitas vezes merecem o retorno valorizado de sua arte, pelo conteúdo das mesmas. No entanto, nem sempre há um vínculo justificável entre a ruidosa aclamação de um título no mercado e seu real valor literário.

Cada vez mais somos uma sociedade dominada pelo poder da imagem, das superfícies, das capas, das cascas e do marketing. O marketing: nada contra esta importante ferramenta. Mas tudo contra a palavrinha anterior: o poder. Este, sim, quando mal compreendido e utilizado, distorce, favorece minorias já privilegiadas, joga com interesses, faz política obscura, desmerece e atrofia a arte, a cultura, o artista e o povo.  

Meu assombro é grande com relação a esta desconcertante situação que envolve o Prêmio Jabuti. O maior e mais respeitado do País. Mas espero nunca perder a capacidade de me assombrar. Ela está intimamente ligada à minha crença no ser humano, à minha indignação diante das injustiças, à minha energia de luta, e à minha inesgotável capacidade de sonhar e criar.

Abraços,
Carmen Moreno

A CARTA:

Rio de Janeiro, 9 de Novembro de 2010


Exma. Sra. Rosely Boschini - Presidente da Câmara Brasileira do Livro


Exmo. Sr. José Luis Goldfarb - Presidente da Comissão do Prêmio Jabuti


Prezados Senhores,


O Grupo Editorial Record - composto pelas editoras Record, Bertrand, Civilização Brasileira, José Olympio, Best Seller e Verus - decidiu que não participará da próxima edição do Prêmio Jabuti para claramente manifestar sua discordância com os critérios de atribuição do Livro do Ano de ficção e não-ficção. Tais critérios não só permitem como têm sistematicamente conduzido à premiação de obras que não foram agraciadas em seleções prévias do próprio prêmio como as melhores em suas categorias.


Como editores preocupados com a Cultura e a ampliação da leitura no Brasil, nós entendemos que um prêmio literário visa a estimular a criação literária reconhecendo-a pelo critério exclusivo da qualidade. Não aceitamos - principalmente em um país como o nosso, onde quase sempre o mérito é posto em segundo plano - que o principal prêmio literário atribuído pelo setor editorial possa ser conferido a um livro que não esteja entre aqueles considerados os melhores em seus respectivos gêneros.


Infelizmente, a edição de 2010 do Jabuti não foi a primeira em que essa situação esdrúxula ocorreu. Em outra oportunidade, o mesmo agraciado deste ano preferiu não comparecer à entrega do prêmio, talvez por não se considerar merecedor da distinção. Grande constrangimento na cerimônia. Em 2008, a situação se repetiu, com o agravante de o então vencedor da categoria Melhor Romance do Jabuti ter conquistado também todos os outros prêmios literários conferidos no Brasil. O episódio causou tal estranheza e mal-estar que foi grande a repercussão na imprensa. Na época, passamos a acreditar que seriam feitos os necessários ajustes na premiação para que esses equívocos parassem de ocorrer.


Vimos, porém, que os critérios equivocados continuaram em vigor em 2010, com a diferença somente de o autor agraciado desta vez aceitar a láurea. Tomamos então a decisão de não mais compactuar com a comédia de erros. As normas do Jabuti desvirtuam o objetivo de qualquer prêmio, pondo em desigualdade os escritores que não sejam personagens mediáticos. Para não mencionar fato ainda mais grave: quando é evidente que a premiação foi pautada por critérios políticos, sejam da grande política nacional, sejam da pequena política do setor livreiro-editorial.


Como a inscrição das obras concorrentes ao Jabuti é um ato voluntário de cada Editora participante, e feito de forma onerosa, optamos não mais participar da premiação, até que as medidas necessárias para a correção de seu rumo sejam adotadas.


Atenciosamente,
Sergio Machado
Presidente
Grupo Editorial Record



ABAIXO, REGISTROS DA CAMPANHA PAIXÃO DE LER (POESIA NA ORLA)
































sábado, 6 de novembro de 2010

Carmen Moreno: Paixão de Ler (Poesia na Orla)


Carmen Moreno
e diversos poetas no evento
Paixão de Ler, Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro  
(Poesia na Orla), org. grupo Poesia Simplesmente
07 de novembro de 2010


Clique sobre a imagem abaixo, para ampliá-la:

Algumas imagens e poemas
recitados:
Livro Loja de Amores Usados (Multifoco),
de Carmen Moreno

TRILHAS

A vida, essa estranheza:
às vezes, becos escuros,
às vezes, bocas acesas!

 
Carlos Drummond entre Carmen Moreno e Delayne Brasil

A SUA PARTE

O mundo está em guerra.
Qual a sua palavra bélica?
Onde o seu amor emperra?
A guerra começa na sua terra.
Na casa do cotidiano.
No quintal do seu pensamento - insano.
Depois, vira fala.
E cresce em ato mesquinho.
E você atira, sem bala, no inimigo - seu vizinho.
O mundo está em guerra.
Qual o seu verbo que mata?
Qual o seu gesto que enterra?

 
Carmen Moreno
 (ao fundo, Karla Sabah e Eduardo Tornaghi,
integrantes do evento Paixão de Ler, na orla de Copacabana)

   MESA FARTA

Tomara que o grão se multiPLIQUE,
ploc, ploc, pule o milho na panela.
Que o pão se espalhe e espante a
fome secular.
Que o sim rejunte a fissura dos sorrisos,
e o rio lave a secura das bocas.
Tomara que o grão se parta em mil,
e brote (são) em todas as portas.
E que, gentil e farta, a farra das sementes
seja como Deus: para todos.

93 ANOS

Minha mãe é o tempo.
Templos, tendas, todas as casas, asas sobre nós.
Relíquias de alegrias, repartidas no gesto e na voz.
Moram mundos em seu coração de bronze,
que se estilhaça e se refaz, em incansáveis curas.
Orixás restauram o chão sob seus pés,
a cada desventura.

VÍDEO:

Poetas e público, no aquecimento da apresentação, no Arpoador:
Roda de Cacuriá do Maranhão, com a cantora Rosa Reis e o percussionista Leandro Maramaldo

Para assistir ao vídeo, clique na seta abaixo:

Poetas presentes no vídeo e no evento: Angela Carrocino, Karla Sabah, Delayne Brasil (poesia e música), Eduardo Tornaghi, Edmilson Santini (cordel), Gazal, Jorge Ventura, Julinho Terra, Laura Esteves, Ricardo Reis, Sandra Lopes, Silvio Ribeiro de Castro e Telma da Costa (poesia e música).






 

















quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Carmen Moreno: Projeto Eu, o Leitor

CENTRO CULTURAL JUSTIÇA FEDERAL

E PLUMAGENZ APRESENTAM:

EU, O LEITOR

(mediação da jornalista Vivian Wyler)

Clique sobre a imagem abaixo, para ampliá-la.
 Particiação de Carmen Moreno (Onde está a poesia?)

Fotos: Luiz Carlos David

Clique abaixo, para assistir ao vídeo:


Carmen Moreno from John C.M. on Vimeo.

Poema:
Indagações Sobre o Começo do Fim
(Livro: Loja de Amores Usados, ed. Multifoco,
de Carmen Moreno).
 Música: 
Meio termo, de Cacaso e Lourenço Baeta


De 26 a 30 de outubro de 2010


Centro Cultural Justiça Federal: Av. Rio Branco, 241, Centro - Rio de Janeiro/RJ - Tel. (21) 32612550


 

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

CARMEN MORENO NO PROJETO POESIA NO SESI

Na próxima quarta (20/10), às 12h, a poeta Carmen Moreno participará do Projeto POESIA NO SESI- RJ, apresentando poemas do seu livro LOJA DE AMORES USADOS (Multifoco). Na tarde, também Duane Martins. Cartola é o poeta homenageado do mês. O evento é organizado pelo jornalista e poeta Claufe Rodrigues, e pela cantora e poeta Mônica Montone. Participação especial: Delayne Brasil. Local: Teatro SESI, Centro. Av. Graça Aranha, 1. Entrada franca.

Loja de Amores Usados

domingo, 10 de outubro de 2010

VÍDEO - CARMEN MORENO NO PEN CLUBE: TRECHOS DO ENSAIO SOBRE A POESIA DE TANUSSI CARDOSO

VÍDEO apresenta uma EDIÇÃO da palestra de CARMEN MORENO, no PEN Clube do Brasil: FRAGMENTOS DO HUMANO E DO MÍSTICO EM TANUSSI CARDOSO.

Imagens: o poeta Tanussi Cardoso, Claudio Murilo Leal, presidente do PEN Clube do Brasil, e a poeta e ficcionista Carmen, nesta ordem. O evento aconteceu na noite de 06/10/10.

PARA ASSISTIR, CLIQUE NA SETA:


LEIA O TEXTO NA ÍNTEGRA:

FRAGMENTOS DO HUMANO E DO MÍSTICO EM TANUSSI CARDOSO



Para Tanussi Cardoso: Meu irmão - caminho de todas as portas. Sua boca de poeta sempre desenterra o Sol.




CENA UM


Abre-se o pano ante a folha virtual - em branco. Diante do computador, a poeta observa-se. O coração, tambores dissonantes, prensa sentimentos inomináveis, que esperneiam no peito, esgarçando-o. A poeta prossegue, tentando domá-los em verbo. Fervilham, em múltiplas vias, arredios, na contramão de qualquer nome que os aprisione ou liberte. Que os falseie ou denuncie. O poema não salva a poeta. O irmão não salva a irmã. Avessos a cederem a qualquer começo de texto, sabem, os sentimentos, que não há começo algum. Nem fim - não se pode dimensionar o invisível. Que cerca margeará o impossível, demarcará o infinito, o indizível? Pois que o poeta está plantado desde sempre, desde antes, no quintal da alma da irmã. Fertiliza sua terra com seus enigmas de artista, com seu olhar enviesado de bruxo do verso.

Desde a infância da poeta, quando esta, menina de sete/oito anos, mesmo sem decifrar sequer a pele dos seus versos, já os sabia ritmo e beleza. Já os temia, gilete e magia. E recitava-os, na escola, com orgulho e sede. A sede de quem aprende a beber no líquido claro ou lodoso da palavra, a saída. E a menina, desde o começo, sem saber, já precisava iluminar suas saídas. A saída que nunca acaba. A saída que nem sempre se decifra claridade. A saída que o poeta lhe apresentava, através de seus temas emblemáticos, recorrentes, mas sob um olhar mutante e viçoso – sempre.

Então, a menina aprendia a conhecer a morte, antes de perder seus queridos. E a morte era sonora e lírica, no poema Conversa aos pés de um morto, inserido no primeiro livro do poeta (único exemplar), encadernado, na cor vermelha, que ela compartilhava com os colegas, ao final da aula. Poema publicado muitos anos depois, no livro Viagem em torno de, ora representado neste trecho: “Pronto, estás aí, podre./ A morte te pegou tão de supetão, sujeito,/ que nem tiveste tempo de vomitar/ o último arroto sobre o teu terno sujo. (...).

E a menina tocava o amor, antes de sabê-lo amor - e mesmo quando o amor vestia-se sombra, era musical e harmônico, conforme o trecho do poema Balada dos Perdidos, inserido no referido livro: “(...) Vir de longe/ Quem nunca amou e se deu/ Quem por amor se perdeu/ Quem nada teve de seu (...). E tantos poetas somaram-se ao primeiro! Todos levados pelo irmão, ora em diversificados livros, ora através dos versos deste poeta inaugural, seu aliciador de releituras do mundo.

Os versos do poeta irmão, impregnados de outros, e tantos, e TUDO, em sentimento e forma transmutados, mostram, cada vez mais, a habilidade de quem sabe ler, ler-se, reescrever, reescrever-se, digerir minúcias do humano para materializá-lo no gesto singular e sempre assombrado de seu poema.

CENA DOIS

A poeta folheia, mais uma vez, os livros do irmão, buscando iniciar este texto, ora compartilhado, mesmo sabendo que não há começo, pois que o tempo de Tanussi funde-se ao seu próprio tempo, de maneira contínua e indivisível. Onde a distância crítica de olhar sua obra e abordá-la? E descobre que esta tarefa será como tentar vislumbrar a Muralha da China, cabeça erguida, corpo e queixo colados ao concreto... o olhar íngreme buscando a impossível panorâmica. E entende que só a visão para dentro de sua própria história poderá trazer à tona ao menos alguns precários fragmentos de Tanussi Cardoso e sua produção literária.

Aliviada, percebe que, talvez, não seja impossível desvelar algumas peças da complexa e bela engrenagem de sua escritura, pois que a obra de Tanussi é Tanussi. Como prenuncia o poema A grande valsa - parte III: “Para isso serve a arte:/ testemunhar o não visto/ descobrir o oculto/ observar através dos rins/ dos fígados/ das crateras e dos vulcões.” (livro Viagem em torno de).

A obra de Tanussi é Tanussi. Contrária à esquizofrênica criação de tantos autores, que não são sua criação. Não agem, não pensam, não creem, não sentem, não cheiram, não olham, não tocam, não vivem como rezam sua prosa ou seu verso. E não há neste fato nada que desmereça ou minimize o valor dessas artes sem genitores orgânicos (quando elas são realmente Arte, no sentido inalcançável do termo). Inalcançável enquanto definição, pois que a arte não sobrevive entre as paredes do conceito. No entanto, é perfeitamente tangível pelos sentidos e pela transcendência. E pode fazer sentido para qualquer um, pela revolução interior que provoque, pela desarrumação de algo invisível dentro de nós. E há tantas obras, em qualquer gênero artístico, tão dissonantes de seus criadores - embora de teor e estética generosos! Não se pode desmerecer o produto artístico pela revelação deste possível paradoxo.

Contudo, a poeta precisa confessar sua estranheza e espanto ao se deparar, algumas vezes, com este fenômeno humano. Então, com alívio e encantamento, reencontra Tanussi, no cotidiano e nas páginas, e comprova ser possível a comunhão entre os movimentos de Ser e criar. Em Nudez, livro Boca Maldita, ele nos diz: “Que importam as coisas/ e os seres/ a não ser no momento infinito/ e raro/ em que elas/ sem caricaturas/ despem-se de todo o artifício/ e frias/ e loucas/ são elas mesmas/ nuas?

CENA TRÊS

Os dedos da poeta tamborilam no teclado. O papel virtual e branco, em ultimato, quer o ato do início, a sílaba que puxe o fio de Ariadne, o salto, a palavra que socorra a poeta do espanto de saber o poeta tanto, que se torna dor a ação de traduzi-lo letra. Mas, no incansável revisitar de suas obras sobre a mesa: ouro, pérolas, concreto, pedras pontiagudas, depara-se com a salvadora epígrafe do premiado livro Viagem em torno de. “O que me interessa no homem é o homem. O resto é o que fizeram dele: literatura. E pronto”. Este e mais quatro pequenos textos, utilizados no livro sem assinaturas, como dedicatória e epígrafes, foram recebidos em sonho pelo poeta, conforme registro do mesmo, ao final da obra, p.79.

A poeta encontra, enfim, o caminho das palavras e o teclado recupera sua função. Pergunta-se: Quem teria tamanho conhecimento do que impulsiona a criação de Tanussi Cardoso? Quem saberia tão intimamente que sua obra é uma busca contínua e visceral do homem? Do humano? Quem saberia que, para ele, o exercício poético só faz sentido pela possibilidade de dissecar esse homem e transformá-lo em verbo? Na densa geração do poema - a transformação de si mesmo: síntese, signo, salto. E, na posterior partilha, a possibilidade de dar nova feição também ao Outro, pelo potente gesto da palavra. Transformar esse homem/leitor, pela exposição figurada do humano no poeta. Farta e ousada oferta de si mesmo. Em entrevista ao site Balacobaco, Tanussi reitera esta leitura: “O que eu quero com minha poesia é criar uma ponte em direção ao outro; fazer dela um grande abraço humanitário e solidário”.

E o exercício de descascar-se em metáforas, bem garimpadas, ao contrário de desfigurarem ou ocultarem o poeta, entrega sua humanidade ao leitor, numa comunhão de luz e lama, na revelação de seus mergulhos internos, suas crateras e lacunas, como nos mostram os poemas: Ponte, livro Viagem em torno de: “Entre eu e mim, um abismo imenso”; Casa, livro Exercício do olhar: em mim, / muitos quartos. / quando morrer,/ quantos terei visitado? E Sinal, do livro Boca Maldita: Escorreguei em mim mesmo/ e caí./ Sou um acidente... Poema que revela outro traço de seu perfil literário: a ironia amarga. Lâmina crítica, que não se exime de destrinchar a natureza do poeta, e o que nela há de risível.

CENA QUATRO

A poeta levanta-se, e procura, entre os livros espalhados sobre a mesa, o que registra o sonho: “O que me interessa no homem é o homem”. O resto é o que fizeram dele: literatura. E pronto”. E insiste: Quem, afinal, conheceria esta meta involuntária (?) da poesia tanussiana? Se a poeta materializasse em voz esta íntima pergunta, alguém certamente lhe indagaria, como resposta: “Mas não seria o homem o objeto de interesse central da obra de todo artista? E ela responderia: “Não sei” – dando de ombros à ironia de seu interlocutor, que estaria respaldada na suposta obviedade da pergunta.

Mas, afinal, quem seria o autor dos versos do sonho? Deus? E quem se revela Deus/deuses na criação de Tanussi? Deus, figura constante em sua obra, não se deixa aprisionar por acepções religiosas: “(...) Os deuses que adoro me cospem no prato. Diz o escritor, no poema Aos que morrem de Aids, do já mencionado livro Viagem em torno de. O Deus de Tanussi é céu e inferno, chão e salto, lodo e luz. Humano, salvador, culpado, falho, conforme se apresenta no trecho do poema Paisagem inútil, livro Exercício do olhar: “(...) errar não é humano – é santo/ pecar é carregar nos ombros/ os erros de Deus.

Sim, talvez o Deus de Tanussi tenha trazido do Alto os versos de seu sonho. O Deus transcendente, o místico. Ou quem sabe o Deus que mora no poeta; ou mesmo o poeta que mora nesse Deus: “o poeta é só/ um homem/ dentro/ de Deus”. Livro Viagem em torno de; Chorando sobre um poema. A verdade é que, por intermédio do sonho, o poeta reitera, ou revela a si mesmo, o alvo de sua criação. Seu inconsciente individual/coletivo endossa, em síntese profética, o que sua magnífica trajetória de criador nos tem apresentado. E o que sua vida ressalta, a cada dia, aos privilegiados de sua convivência: Tanussi gosta de gente! Procura, dentro e fora de si mesmo, as pessoas, seus movimentos, contextos e interferências. Paradoxos, inquietações e calmarias. Danos, dejetos, dádivas. Acolhe as pessoas. E injeta, então, no verso, sem encharcá-lo de lirismo, o produto de seu automergulho visceral. Mergulho que traz à margem sua própria face, contaminada e revigorada pela face de seus semelhantes.

E ao visitar o Ser com intimidade e mestria, revelando-o através de seu poema cortante e lírico, conciso, seco e apaixonado, de imagens originais e contundentes, o poeta se expande em TUDO - pois que todos os desdobramentos temáticos partem desse humano que pensa, respira, ama, age, interage, sofre, sorri, deseja, teme, mata, morre... E o olhar de Tanussi Cardoso perpassa todas estas estações do Ser, aprofundando-as, com lucidez.

EPÍLOGO

A irmã, olhos pregados na tela, dedos ágeis no teclado, prossegue na sua tarefa de decifrar-se, buscando o irmão. Sabe que tudo, para Tanussi, é matéria poética: o Tempo, o Fazer poético, a Memória... No entanto, diante da impossibilidade de expansão deste relato, elege, para conclusão de ilustração temática, recortes do olhar do irmão sobre a família, a morte e o amor:

Na Família - pai, mãe, irmãos... na família e seu gene de amor e loucura, de colo e mágoa, talvez a fertilização infinda de seu verso e  do verso do irmão. Talvez a fonte inesgotável do humano no magma artístico de ambos. No poema Retoque no retrato, livro Exercício do olhar, Tanussi Cardoso nos traz o pai:

“Meu pai/ cabisbaixo/ pescoço metido/ entre as pernas/ de queixas/ e queixos/ quadro/ vivo de Rodin/ meu pai/ entre meias/ e chinelos/ fincando raízes/ no nada/ teatro particular/ de cerca e medo/ olhos no assoalho/ moído/ olhos que não/ viram nem a/ mim nem a/ mãe nem a/ mão/ olhos soterrados/ cravejados/ de chão”. E no primeiro verso do poema Flecha, do mesmo livro, Tanussi nos diz: “minha mãe lê o mundo/ pelo sorriso (...)”.

No verso conclusivo, do antológico poema As mortes, livro Viagem em torno de, “sei não/ acho que só vou/ morrer/ depois de mim”, Tanussi Cardoso revela-nos que sua visão sobre a morte nada tem de pessimista. Em entrevista concedida à escritora Cristina da Costa Pereira, ele nos diz: (...) O que procuro retratar no poema é o paradoxo existente na máxima de que a morte traz a vida para mais perto. Porque ao pensar nela começo a pensar em Deus e nos homens e na verdadeira poesia, que é viver em comunhão, re-ligado com a natureza. Com a morte, me parece, o homem passa a olhar mais para o seu próprio tempo, para o outro, e acreditar na sua imortalidade.”

No poema O morto, livros Viagem em torno de, e 50 poemas escolhidos pelo autor, Tanussi projeta sobre o tema um olhar de aceitação. Mais que isso - de beleza e libertação:

“Tudo permanece em seu lugar./ A tartaruga/ estática, sábia/ contempla a cena./ Quem morre antes,/ o morto ou seus objetos?/ Tudo permanece em seu lugar./ O morto é um poema/ acabado/ solto/ completo.”

E o amor tanussiano quase sempre é desmascarado na sua concreta finitude, e na incontrolável, mas nem sempre visível, esperança. Apresenta-se aqui, nos recortes do poema Das dores do amor, livro A medida do deserto, in Rios, partes IV e V:

“Todo amor, no fundo,/é um adeus/ um basta/ um morto./ Contudo, te amo/ como se costurasse rendas num bordado/ vendo os furos se despregando do pano/ alfinetes rasgando a pele/ sem ritos sem ais sem porvir.”

E no trecho do poema Cilada, livro Viagem em torno de, Tanussi conclui, realista:

“O amor é, sobretudo/ a faca no laço do laçador/ O amor é, exatamente/ o tiro no peito do matador”

Para o desfecho desta exposição, o último verso do poema Botafogo, noite, livro Viagem em torno de: “Deve haver poesia no dedo de Deus.”. E a irmã, na releitura do poema, conclui: Deve haver um Deus no dedo de Tanussi.

Carmen Moreno

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