Crônica canina:
A humanização dos bichos ou
a bestialização dos humanos
Hoje vi uma menininha linda, vestida
de rosa... Não, quer dizer, acho que era uma cachorrinha vestida de rosa. Sim,
agora recordo, era mesmo uma cachorrinha, claro: lembro de ter notado um
pequeno rabinho balançando, para fora do vestidinho rosa. Identifiquei esse
traço da sua espécie, absolutamente peculiar e inconfundível. Claro, o rabinho
destoava de todo o resto do visual. Mas não chegava a estragar a beleza da
menininha. Digo, cachorrinha.
Seguia rebolativa, com uma chuca,
também rosa, na cabecinha, combinando com o traje principal. Ah, ia me
esquecendo! Tinha uma parte dos cabelos pintada na cor lilás, penteada em
cachos sobre as orelhinhas. Lindo! Eu disse cabelos? Não, desculpem, estou me
confundindo de novo. Pelos! Eu queria dizer pelos, claro. Pelos pintados de
lilás. É, os cachorros adoram tinturas. Sim, tinta natural, óbvio! Bom, a
menininha... a cadelinha usava uns óculos magníficos! Fiquei impressionada com
o bom gosto de sua mãe. Digo, de sua dona. É assim que se fala? Pois é, que bom
gosto.
Os óculos da fofinha eram azuis! Uau!
Au, au! Quase parei para perguntar à cachorrinha onde ela comprou... ops, perguntar
à dona. Do mesmo estilo dos óculos que costumo usar: pequenos e redondinhos. E
com lentes azuis, as minhas preferidas. Ela devia estar tão feliz vendo o mundo
humanizado! O mundo visto sob a ótica de suas amiguinhas maiores, de duas patas,
como eu. Digo, duas pernas. Aliás, as quatro patinhas também a distinguiam da outra
espécie, a humana. As patinhas e o rabo serviam, com certeza, para assegurar a
identidade da mocinha, caso esbarrasse com um espelho pelas ruas e tivesse
dificuldade de se reconhecer canina. O focinho não servia para nada, pois foi
tragado pelos óculos.
Ah, já ia me esquecendo dos
sapatinhos, meu Deus! Claro, combinavam com a cor do vestidinho, que, se
alongando pelo corpitcho moreno, ou
marrom se preferirem, culminava nuns babados fashion ao redor da bundinha. Uma gracinha, parecia um brinquedo de
pilha. Mas era uma cadelinha, e não tenho dúvidas de que estava se sentindo
muito confortável com a decoração especialmente natural daquela tarde. Não, a
boquinha estava livre, sim. É, sem focinheira. Se ela quisesse, poderia até
treinar e latir.
Mas quando a garotinha, digo, a
cachorrinha crescer e quiser namorar, se tiver inclinação para gostar de
cachorro rústico, não esses mauricinhos que saem cheirosos dos pets depois do
banho, com suas gravatinhas azuis. Mas se gostar de cachorro à moda antiga, sem
tantos disfarces, e quiser pegar algum por aí, não vai rolar: dificilmente será
reconhecida por eles como um ser da mesma espécie. E se crescer moça letrada,
que não se contenta com os infindáveis passeios aos 50 pet shops do seu bairro
carioca, se crescer cachorra culta, cadela leitora como eu, vai precisar
engrossar as pernas e preparar as patas para as duras caminhadas em busca de
uma livraria.
Carmen
Moreno
Encontrei a modelo para minha crônica:
Foto retirada do Google