FÁBULA DA FILHA QUE VIROU MÃE
A mãe não costura mais o vestido
da menina magricela.
Que não é mais magricela nem menina: cresceu por meio século.
A mãe tornou-se filha, quando os
passos ficaram miúdos e os cabelos rareados.
Mora na cama do quarto, tangenciando
o centenário e seu ônus.
Entre fraldas e enfermeiras, seu
sorriso ensina a filha a ser rocha.
Inútil sofrer, temer a data,
enfeitá-la para partir serena e sem danos...
A morte é sempre súbita, por mais
que bafeje no cangote dos relógios,
e prometa visita sob o martelo
dos doutores.
Mas a dita não traz na lápide o
fim anunciado:
A mãe nunca partirá, costurada
que está na alma da menina,
desdobrada no seu melhor gesto,
nas palavras espalmadas aos
carentes de mãe e de sonho.
A mãe não é mais a fala fluida, a
casa antiga, os bordados de flor,
a samambaia chorona, o jardim.
Não rega mais as plantas, não
planta.
Mas é plena plantação.
Carmen Moreno
Foto: marcadores de livro
bordados por Carmen Castilho Cardoso
(mãe da autora)
bordados por Carmen Castilho Cardoso
(mãe da autora)
Encantador o seu texto, querida. Parabéns. Beijos, Carla Giffoni
ResponderExcluirObrigada, Carla Giffoni. Perdão por não responder antes! Por incrível que pareça, li seu generoso comentário hoje, dois anos depois. Beijos morenos
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